UEMA 2021

Texto

 

As mulheres negras e a ciência no Brasil: “E eu,

não sou uma cientista?”

 

    O título deste texto é uma adaptação
do emblemático discurso da militante negra
ex-excravizada Sojouner Truth em 1851,
numa conferência feminista em Ohio, Estados
[5] Unidos. Neste antológico discurso, Sojouner
problematizava a opressão das mulheres
negras nos Estados Unidos, buscando
explicitar os graus de desumanização dessas
mulheres a ponto de não lhes serem
[10] conferidas as características socialmente
construídas do gênero feminino.
    Mas o que que um discurso do século
XIX de uma feminista negra ex-escravizada
estadunidense tem a ver com o histórico das
[15] cientistas negras brasileiras? Acontece que
cientistas negras são mulheres que estão
imersas nos segregadores processos de
subjugação racial que o racismo estrutural
nos impõe em qualquer lugar do mundo.
[20] Mulheres negras, assim como todas as
pessoas oriundas do processo diaspórico de
escravização brasileira, só tiveram a sua
liberdade legal a partir de 1888, quando a
pressão exercida secularmente pelo
[25] movimento quilombola articulada à
necessidade de expansão mercantil do
capitalismo inglês intensificaram o
movimento abolicionista no Brasil, o último
país da América Latina a abolir a escravatura.
[30]    Nesse sentido, cabe refletirmos:
tendo o Brasil abolido a escravidão no final
do século XIX, é plausível imaginarmos que
pessoas negras brasileiras tiveram um
processo tardio de acesso a direitos sociais
[35] tais como educação, saúde e moradia, dentre
outros. Assim sendo, a universidade
brasileira, que teve a sua fundação com a
Escola Baiana de Medicina em 1808, foi por
muito tempo uma instituição branca, criada
[40] no contexto da escravização para suprir as
necessidades de uma elite intelectual branca
colonizadora e imperialista.
    Pouquíssimas pessoas negras tiveram
acesso à escolarização básica, quem dirá
[45] àquela de nível superior. No contexto da
primeira metade do século XX, enquanto
mulheres brancas lutavam pelos direitos
sufragistas e de trabalharem fora de casa,
mulheres negras trabalhavam nas casas
[50] destas tomando conta dos seus filhos e
filhas, lavando roupa, sendo empregadas
domésticas; sustentavam famílias vendendo
quitutes nos tabuleiros… em um presente
bem distante de um futuro emancipado
[55] academicamente. Nesses termos, mesmo
sabendo dos processos de alterização
negativa que mulheres em geral sofrem na

sociedade, há um descompasso histórico
entre a ausência de privilégios das mulheres
[60] brancas comparadas às mulheres negras que
se perpetuam até os dias de hoje mesmo
com todos os direitos alcançados nos últimos
anos como a PEC das domésticas, como as
cotas raciais, como os programas de combate
[65] à miséria no Brasil.
    Infelizmente, essa é uma realidade
que persiste aos dias atuais, mesmo com os
avanços dos últimos anos. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo Instituto
[70] Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em 2018, apenas 10,4% das mulheres
negras com idade entre 25 a 44 anos
concluem o ensino superior. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo Instituto
[75] Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), o percentual de
mulheres negras (pretas e pardas) doutoras
professoras de programa de pós-graduação é
inferior a 3%. Segundo uma pesquisa
[80] realizada pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ) em 2015 apenas 7% das bolsas de
produtividade são destinadas a mulheres
negras.
[85]     A marginalidade supracitada no
ambiente científico não versa sobre a baixa
capacidade intelectual de mulheres negras,
nem tampouco sobre uma ausência de
propensão genética de mulheres negras à
[90] produção epistêmica, mas sim sobre um
brutal processo social de produção e
reprodução de padrões de subalternidade
cognitivamente e materialmente a nós
impostos.
[95]     Nos contaram acerca de uma história
de inferioridade programada da população
negra no mundo nos últimos quatro séculos e
“esqueceram” de nos contar sobre os
milênios de pioneirismo intelectual desses
[100] nossos e nossas ancestrais nas ciências, na
matemática, na filosofia, no desenvolvimento
da escrita, na arquitetura, na medicina etc.
Nos ensinaram uma história negra que
ontologicamente remonta à escravidão,
[105] entretanto “deixaram passar” informações
relevantes, como o fato de a humanidade ter
nascido em África – o verdadeiro velho
mundo –; de uma mulher negra africana,
Merit Ptah (2700 a.C), ser a primeira médica
[110] de que se tem conhecimento; como o fato de
não conhecermos grandes impérios africanos
como Axum, Meroé, Núbia, Numídia, a Terra
de Punt, o Império de Kush, o Império
Ashanti e o Império de Gana, dentre outros.
[115]    Concluo informando que é preciso
revisitarmos os porões da nossa história para
darmos vez e voz a narrativas históricas
invisibilizadas, que nos propiciarão uma
descolonização dos padrões do que vem a ser
[120] ciência e do que vem a ser cientista. É
preciso um olhar atento para a história para

compreendermos os passos que nos
conduziram até aqui e para termos
sensibilidade e empatia com essas
[125] existências negadas e inferiorizadas.

Pinheiro, Bárbara Carine Soares. As mulheres negras e a ciência no Brasil: “e eu, não sou uma cientista?”. Disponível em https://www.comciencia.br/as-mulheresnegras-e-ciencia-no-brasil-e-eu-nao-sou-uma-cientista/. Acesso em 5 de abril de 2021. Texto adaptado.

Quanto ao gênero textual, o texto é classificado como

a

artigo de opinião, porque nele há a defesa de um ponto de vista, de alguém ou de um grupo, por meio de argumentos.

b

crônica, porque nele há a narrativa de um acontecimento corriqueiro do cotidiano com personagens e um enredo. 

c

notícia, porque nele há informações sobre acontecimentos e demonstra imparcialidade dos fatos. 

d

relato, porque nele há uma narrativa de alguém discorrendo sobre a discriminação racial.

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