UECE 2012

Texto 1

 

Um novo A B C

 

[1]   Aquela velha carta de A B C dava  

arrepios. Três faixas verticais borravam a  

capa, duras, antipáticas; e, fugindo a elas,  

encontrávamos num papel de embrulho o  

[5] alfabeto, sílabas, frases soltas e afinal  

máximas sisudas. 

  Suportávamos esses horrores como um  

castigo e inutilizávamos as folhas  

percorridas, esperando sempre que as  

[10] coisas melhorassem. Engano: as letras eram  

pequeninas e feias; o exercício da  

soletração, cantado, embrutecia a gente; os  

provérbios, os graves conselhos morais  

ficavam impenetráveis, apesar dos esforços  

[15] dos mestres arreliados, dos puxavantes de  

orelhas e da palmatória. 

  “A preguiça é a chave da pobreza”,  

afirmava-se ali. Que espécie de chave seria  

aquela? Aos seis anos, eu e os meus  

[20] companheiros de infelicidade escolar, quase  

todos pobres, não conhecíamos a pobreza  

pelo nome e tínhamos poucas chaves, de  

gavetas, de armários e de portas. Chave de  

pobreza para uma criança de seis anos é  

[25] terrível. 

  Nessa medonha carta, que rasgávamos  

com prazer, salvam-se algumas linhas.  

“Paulina mastigou pimenta.” Bem.  

Conhecíamos pimenta e achávamos natural  

[30] que a língua de Paulina estivesse ardendo.  

Mas que teria acontecido depois? Essa  

história contada em três palavras não nos  

satisfazia, precisávamos saber mais alguma  

coisa a respeito da aventura de Paulina. 

[35]   O que ofereciam, porém, à nossa  

curiosidade infantil eram conceitos idiotas:  

“Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém”.  

Ter-te-ão! Esse Terteão para mim era um  

homem, e nunca pude compreender o que  

[40] ele fazia na última página do odioso folheto.  

Éramos realmente uns pirralhos bastante  

desgraçados. 

  Marques Rebelo enviou-me há dias um A  

B C novo. Recebendo-o, lembrei-me com  

[45] amargura da chave da pobreza e do  

Terteão, que ainda circulam no interior. 

  A capa da brochura que hoje me aparece  

tem uns balões — e logo aí o futuro cidadão 

aprende algumas letras. Na primeira folha,  

[50] em tabuleiros de xadrez de casas brancas e  

vermelhas, procurou-se a melhor maneira  

de impingir aos inocentes essa coisa  

desagradável que é o alfabeto. O resto do  

livro encerra pedaços de vida de um casal  

[55] de crianças. João e Maria regam flores,  

bebem leite, brincam na praia, jogam bola,  

passeiam em bicicleta, nadam, apanham  

legumes, vão ao Jardim Zoológico. 

  Tudo isso é dito em poucas palavras,  

[60] como na história de Paulina, que mastigava  

pimentas na velha carta de A B C. Mas  

enquanto ali o caso se narrava com letras  

miúdas e safadas, em papel de embrulho,  

aqui as brincadeiras e as ocupações das  

[65] personagens se contam em bonitas legendas  

e principalmente em desenhos cheios de  

pormenores que a narração curta não  

poderia conter. 

(............................................................)

Abril, 1938. (Graciliano Ramos. Linhas tortas. Obra póstuma. p.174-175.)

 

A crônica inicia-se com o pronome demonstrativo aquela. Na primeira linha do segundo parágrafo (linha 7), aparece outro pronome demonstrativo: esses. Atente ao que se diz sobre esses pronomes e as expressões em que eles aparecem.

 

I. Aquela velha carta de A B C, na linha 1, aponta para a memória do enunciatário, o que sugere ter o enunciador a certeza de que o enunciatário partilha com ele a informação que vem a seguir.

II. Ao contrário de Aquela velha carta de A B C (linha1), esses horrores (linha 7) aponta para algo que está expresso na materialidade do texto.

III. A interpretação coerente dos dois pronomes — aquela e esses — exige do leitor mais domínio das normas gramaticais do que das normas textuais.

 

Está correto o que se afirma em

a

I e II apenas. 

b

II e III apenas. 

c

I, II e III. 

d

I e III apenas. 

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Resposta
A
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