Leia o trecho a seguir retirado do conto “A Causa Secreta” e assinale a alternativa correta no que diz respeito ao referido conto e a estética de Machado de Assis.
Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.
Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
(Várias Histórias - Machado de Assis - W. M. Jackson Inc Editores - 1946.)
Em “A Causa Secreta”, assim como em diversas ficções machadianas, o autoconstrói toda a tensão de sua narrativa ao redor de um possível triângulo amoroso. A infidelidade conjugal, a deterioração da família e a vingança são os principais elementos constituintes desse texto, visto que o motor de toda a narrativa é o desejo de vingança que move Fortunato a tentar recuperar sua honra perdida.
No referido conto, só é possível compreender as motivações que levam Fortunato a agir de maneira sádica porque o texto é narrado em primeira pessoa, emergindo na narrativa elementos que denunciam a composição psicológica da personagem.
Fortunato saboreia o sofrimento de Garcia no final do conto, pois sabe que o amigo não poderá ter a mulher amada novamente, uma vez que ela está morta. Desse modo, a personagem não sente ciúmes ou raiva da traição, pois se sente vingado pelo destino trágico que teve a mulher. E só é possível que o leitor acesse essas informações e compreenda o deleite de Fortunato completamente graças a um artificio narrativo amplamente utilizado por Machado de Assis denominado realismo fantástico.
É graças ao fino desenvolvimento do narrador onisciente em terceira pessoa que o leitor flagra as mais profundas motivações de Fortunato. A partir do desnudamento psicológico da personagem o leitor passa a compreender que Fortunato é movido pelo sadismo e que busca o ápice de seu prazer no sofrimento de outros seres.
O viés naturalista de Machado de Assis é evidente neste texto, uma vez que no decorrer da narrativa Fortunato é revelado como fruto de uma sociedade falida, corrompida e refém dos problemas gerados pela violência. O narrador escancara os pormenores psicológicos de Fortunato revelando que a personagem buscar devolver para a sociedade o que sempre recebeu, dor e sofrimento.